Quando estou em Portugal trabalho a partir de casa fazendo consultorias sobre Eleições, Direitos Humanos ou Política Internacional em geral e tenho um hábito que já vem de muitos anos que é começar o dia depois de levar a Francisca à escola e enquanto tomo o pequeno-almoço ver notícias na televisão. Faço zapping entre os canais de notícias todos, mas acabo sempre entre a AlJazeera English e a France 24.
Uma das notícias de hoje que me
chamou a atenção foi a da visita do Presidente Obama ao Papa Francisco no
Vaticano, e enquanto vejo as imagens olho para um Papa que tem vindo a ser
consensual mesmo entre os agnósticos e até os críticos da Igreja Católica. As
suas frases são partilhadas pelas redes sociais e notícias das suas atitudes
simples e humanas fazem manchete imediata ou tornam alguém anónimo em celebridade
instantânea. Esse foi o caso de uma mãe solteira, a quem o próprio Papa baptizou de forma a dar o exemplo ao restante clero. Por essa altura, surgiu
nas redes sociais uma das frases que por motivos óbvios me chamou logo à atenção
foi a famosa frase sobre mães solteira e o acto do Baptismo. Essa frase fez
todo o sentido para mim, porque o vivi na pele.
Quem me conhece sabe que sou
bastante liberal e que sou aberta à Fé em geral. Notaram que a escrevo sempre
com letras Maiúscula? Isso deve-se ao facto de ser uma mulher de Fé. Sou-o
desde que me lembro, quando em criança no terraço da casa onde vivíamos me
deitava de barriga para cima para poder olhar para o céu e pensar que tinha que
haver algo lá em cima. Tinha que ser, porque só assim se explicava a beleza que
me rodeava e o amor que sentia pelos meus pais. Ter passado a infância numa
terra tão bela como São Martinho do Porto, acredito que tenha ajudado, mas com
apenas 4 anos não tinha sequer conhecimento de que era a religião, nem tinha
uns pais que me passassem nem a Fé, nem os dogmas. Excepto quando a minha mãe,
ex aluna de colégio de freiras se punha de joelhos cada vez que trovejava e para
pedir clemência. Olhava para a minha mãe tão bela e tão jovem, enquanto rezava
e me ia sorrindo. Não entendia, mas dava-me algum respeito, conforto e até
certo receio porque o Senhor parecia mesmo muito zangado!
Mais tarde e já na primária, a
minha mãe achou que eu não perderia nada, e porque era muito ‘aventureira’, em
fazer a primeira comunhão e para isso participar todos os sábados na catequese.
Lá se foram os meus queridos sábados de dolce
far niente! Mas para minha surpresa, aquilo até nem era uma grande seca e
até fui considerada a melhor da minha turma! Mas o que me interessava de
verdade, era mesmo que no fim e para a comunhão, iria ter um vestido de princesa
e desta forma agradar ao Gonçalo, a minha paixoneta na primária! Que de outra
forma não me ligava nenhuma. A verdade é que da Fé em si, só sabia que tinha
que me portar bem, senão…! Ao falar com o Padre para a confissão, levava claro
a lição ensaiada de casa ‘Não faço o que a minha mãe diz para eu fazer! Às vezes
digo estúpido! Dei um beijo na boca do meu vizinho! Mas não gostei nada e
sinto-me muito culpada e prometo nunca mais beijar nenhum rapaz!’. O Padre
muito complacente e entre quase uma gargalhada disse:-’as crianças não têm
pecado minha querida! Mas por favor respeita a tua mãe!’. Benzeu-me, e depois
da comunhão lá me tornei oficialmente Católica.
Durante um tempo ainda fui à
missa mas com o tempo deixei de ir, continuando culturalmente sendo Católica.
Tinha Fé e acreditava em Deus mas sinceramente, não sabia muito bem em que
moldes. Durante anos e durante principalmente a adolescência, quando fui
claramente uma das que remava contra a maré e já nessa altura tinha as minhas
causas, falar de religião não fazia parte da ninha retórica, que na altura era
muito política. No entanto e no meu íntimo todos os dias a agradecia a Deus por
tudo o que tinha, queixava-me, pedia, sentindo-me protegida sempre que orava
enquanto passava por uma rua escura ou por uma situação mais difícil.
No entanto, não me identificava
com a Igreja Católica nem com nenhuma outra sem nunca duvidar da existência de
Deus e de toda a energia que emana por este mundo fora e que é real para mim.
Quando numa fase mais espiritual me tornei Mórmon com a minha mãe, que
procurava as mesmas respostas que eu, foi aí curiosamente que fiquei a conhecer
um Jesus diferente. Penso e hoje olhando para trás que se deu ao facto de eu
estar numa fase diferente da minha vida, mais crescida e ver as coisas de outra
forma, e não necessariamente ao facto de haver alguma diferença entre o Jesus
de uma igreja ou de outra, na verdade são iguais. Na altura, quando eu e a
minha mãe no apercebemos que só isso nos interessava e que Joseph Smith e tudo
o resto não nos dizia nada, saímos.
Tanto eu e a minha mãe, quando
resolvemos sair e ao contrário do que muitas pessoas poderiam pensar não afectou
a nossa Fé. Tinha contudo outros moldes, mais intima, mais verdadeira com nós
próprias, já que por exemplo nunca tentamos convencer ninguém da nossa Fé.
Aliás poucas são as pessoas amigas que sabem desta minha fase, por ser algo tão
intimo. Na verdade sempre me senti um pouco ‘Lockiana’
neste sentido. É tão pessoal que não
precisa de ser exibido ao mundo, bem tirando claro esta crónica. Sou capaz, de
orar como já o fiz, numa qualquer igreja de qualquer Fé Cristã, como numa
Mesquita no Afeganistão. No entanto
quando a Francisca nasceu, sabia que tinha que tomar uma decisão de como iria
educa-la em relação ao que eu acredito ser importante, mas em que Fé
exactamente?
A pedido da minha mãe, que nessa
altura se encontrava hospitalizada e a lutar contra o cancro comecei a tratar
de tudo e a procurar uma Igreja Católica. Na altura a Francisca tinha 2 anos e pareceu-me
natural fazê-lo na minha terra natal e na igreja onde eu e as minhas irmãs tínhamos
sido baptizadas. Quando me dirigi à igreja da cidade, fui encaminhada a um
jovem Padre, que com um olhar frio e distante foi-me dizendo quão pecadora era eu
por ser mãe solteira. Mas! Havia um mas, que os filhos de mães solteiras não
têm culpa! Culpa. Enquanto falava da imensa lista que os potenciais padrinhos
tinham que ter para poderem apadrinhar alguém, observava-o mas já não o ouvia.
Ali estava diante de mim um jovem Padre, é certo, mas um jovem revertendo à
quase ortodoxia da igreja que luta por mais fiéis e estava ali eu diante dele,
uma mulher que apesar de não ser perfeita e de não ir à igreja todos os
domingos, mas alguém que não só acredita como ora todos os dias da sua vida.
Todos! Talvez o faça na intimidade da minha vida, como uma meditação, mas com
toda a Fé de um coração sincero. Ele não o sabia, também talvez não se
interessasse, por isso agradeci e vim-me embora. Como em tudo podemos
generalizar e a verdade é que descobri, numa outra igreja Católica que a minha
mãe gostava particularmente, um Padre que Baptizava sem julgar. Infelizmente
foi tarde de mais para a minha mãe assistir, pois partiu um mês antes da data
marcada.
Com a chegada deste Papa, o Papa Francisco, as suas declarações eu pessoalmente fiquei feliz por ter falado das mães solteiras porque senti que se me aconteceu é porque acontece a muitas outras mulheres a quem é importante. Quando esta semana uma amiga minha também mãe solteira, me contou que no colégio Católico onde anda a filha, no meio da confissão o Padre pediu à ainda criança para orar pelos pais que por serem divorciados, ambos são pecadores, pensei que há ainda muito trabalho pela frente. Sendo esta minha amiga e suas filhas agnósticas com carácter forte, estas afirmações pouca mossa faz, mas e se for a uma criança que não aceita a separação dos pais? Que está confuso a nível Fé?
A Francisca ainda recém-nascida
foi abençoada por um Mórmon, mas para mim bastava um qualquer homem ou mulher
de Fé. Depois foi Baptizada na Igreja Católica, confuso? Não. Estou a educa-la
a compreender que há muitas Fés, muitas opiniões, muitas crenças, mas só um
Deus. Pelo menos no que eu acredito, e isso ela sabe que opiniões há muitas e
há que respeitar. Oramos juntas todos os
dias ao deitar, vou observando-a e ouvindo-a, não a forço a nada. Quando me faz
perguntas, muitas vezes procuramos juntas por respostas, outras vezes digo ‘não
sei, ninguém sabe toda a verdade!’ mas vou ouvindo principalmente o que sente e
no que acredita. Estou a preparar-me para um dia me poder vir a dizer que
dúvida ou que não acredita. Não me parece, porque há muito dela que é Fé, que
acredita em magia e na vida. Mas se isso acontecer, terei muita pena admito
pois quem não acredita em nada, acredita em quê? Acima de tudo, quero que
entenda que a Fé não nos ensina só a respeitar a Deus, mas uns aos outros, a
este planeta que temos e é só um, aos animais, às flores e qualquer outra Fé ou credos.
Essencialmente a ser uma boa pessoa. Quero que viva, e viva bem, mesmo quando as
coisas não forem perfeitas. É esta a bagagem que quero que ela leve, no dia em
que sair de casa.